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Branquinho da Fonseca
Escritor, Poeta e Dramaturgo
(1905-1974)
Grande vulto do Segundo Modernismo Português, alto expoente da novelística portuguesa de todos os tempos, organizador e primeiro director do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian.
Poeta, dramaturgo e ficcionista, natural de Laceiras, freguesia de Pala, concelho de Mortágua, nasceu a 04/05/1905 e faleceu a 07/05/1974. Era filho do escritor Tomás da Fonseca e Clotilde Madeira Branquinho da Fonseca.
Frequentou os primeiros anos do curso liceal, em Lisboa. Com dezasseis anos vai para Coimbra, onde terminou os estudos secundários e o curso de Direito em Julho de 1930.
Em 1925, ainda como estudante, participa na fundação da revista literária Tríptico, dirigida por um grupo de jovens poetas como Vitorino Nemésio, Afonso Duarte e António de Sousa. Inicia a sua carreira literária em 1926 com a publicação de Poemas, seu primeiro livro, e dedicado àquela que viria a ser a sua futura mulher.
Da convivência deste grupo e dos seus colaboradores, entre eles José Régio, veio a surgir, em 1927, uma nova revista Presença. São seus directores José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca. Foi, juntamente com a Orpheu, uma das revistas fundamentais da literatura portuguesa do século XX. Órgão do chamado segundo modernismo, assumindo-se como «folha de arte e crítica», deve-se-lhe um papel fundamental na difusão do grupo do Orpheu, tomando como mestres os escritores do primeiro modernismo português (Pessoa, Sá-Carneiro, Almada Negreiros).
Branquinho da Fonseca foi um presencista. Para o compreendermos, deveremos lembrar a principal característica desse movimento: a total liberdade de criação artística, movida pela necessidade de cada qual poder assumir a sua própria verdade e sensibilidade, donde a assumpção de um individualismo subjectivo bastante descomprometido com o social e o político. A dor de homem isolado conduzi-lo-á a uma lúcida auto-análise e a um confessionalismo directo e extremamente transparente, num discurso concreto mas simultaneamente onírico, sempre autêntico: "ai daquele que se perde de vista a si próprio", confessou-o.
Abandona a direcção da Presença em 1930, para fundar, ainda nesse ano, com Miguel Torga, a revista Sinal, que teve apenas um número publicado. Colaborou ainda em outras publicações periódicas, como nas revistas Manifesto (1936) e Litoral (1944).
Em 1935 foi nomeado Conservador do Registo Civil em Marvão, tendo desempenhado as mesmas funções na Nazaré, em 1936. Em 1941 ocupa o cargo de chefe da secretaria da Comissão de Obras da Base Naval de Lisboa. No ano de 1943, é provido no lugar de Conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, de Cascais, onde já residia e é aí que trata de pôr em prática a primeira experiência realizada em Portugal no domínio das bibliotecas itinerantes, a esse fim adaptando e apetrechando uma carrinha do referido Museu, a qual por alguns anos proporcionará, através do regime do empréstimo domiciliário, a fruição do livro a grande parte da população do concelho de Cascais. Tal facto levou a que fosse convidado pela Gulbenkian para organizar e dirigir o Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas, dessa mesma Fundação, a partir de 1958, tendo sido o seu primeiro director, até à data da sua morte. Surgem então nas estradas portuguesas as primeiras unidades móveis de tal Serviço, o qual nos anos subsequentes conhecerá em orgânica articulação, a partir de 1960, com a instalação das primeiras Bibliotecas Fixas, uma extensão e um desenvolvimento sem precedentes no domínio da leitura pública em Portugal. Entrega-se inteiramente a essa causa e com tal “espírito de missão”, que praticamente cessa a sua actividade de criador literário, até ao momento em que a morte o arrebata em 16 de Maio de 1974. A ele se deve pois a criação da Biblioteca Itinerante de Mortágua e da Biblioteca Fixa nº15, que funcionou até 2002.
Assinando os seus textos com o seu nome ou sob o pseudónimo de António Madeira, publicou obras de poesia, teatro, contos, novelas e romances. Foi no género narrativo que mais se distinguiu, sobretudo com a belíssima novela O Barão (1942). Nela narra-nos a viagem de um inspector escolar a uma zona remota da província, onde irá encontrar, na noite da chegada, a figura de um aristocrata excêntrico e decadente, o "Barão", que pouco a pouco se vai tornando enigmático, exercendo um fascínio cada vez maior sobre o narrador e adquirindo um estatuto mítico, quer pelo modo como domina o seu estranho microcosmos, quer pela magia dessa noite quase irreal em que ambos irão depor uma rosa no "castelo da Bela-Adormecida.
Destacou-se pela sua capacidade de conciliar o quotidiano e o fantástico e pela intensidade psicológica das suas personagens. Da autenticidade da sua escrita, ele, Branquinho da Fonseca, nos falava quando escrevia esta confissão aparentemente tão simples, mas afinal caixa misteriosa do seu segredo: “...quero dizer que vou escrever pela mesma razão que algumas pessoas choram e porque a dor, por vezes, parece que fica mais pequena depois de se contar. Quando se põe em palavras já fica mais definida e este vago que me toma todo é o que custa mais. Em certos casos basta falar, contar a outra pessoa, mas escrevendo as palavras é melhor: põe-se mais fora de nós”. Observador atento e arguto contador de casos, Branquinho da Fonseca tem a originalidade de ser um narrador omnisciente e participante, que tem necessidade da confissão e comunhão com o leitor, por meio de uma linguagem directa, coloquial e luminosamente transparente, desnudando intimidades psíquicas (sobretudo através do monólogo e da divagação) e que sentimos como totalmente sinceras e verdadeiras, onde podemos vislumbrar um auto-retrato dos seus sentimentos, paixões, dúvidas, conflitos interiores, etc. Sobre a sua obra literária escreveu o escritor José Régio “natural fusão de realismo e poesia, do senso das realidades e do senso do mistério, tão penetrantes um como outro” e o professor e crítico David Mourão-Ferreira, a propósito da sua obra-prima O Barão “se mergulham sempre numa luz de estranheza as suas personagens e os seus ambientes arrancados ao quotidiano, nunca por completo se evadem da realidade as suas surtidas no domínio do insólito”.
A obra literária de Branquinho da Fonseca está representada em várias traduções de antologias de ficção portuguesa, editadas no estrangeiro, incluindo uma tradução norueguesa do conto O Barão, em volume autónomo.
Bibliografia publicada
Poesia - Poemas (1926), Mar Coalhado (1932)
Teatro - Posição de Guerra (1928), Teatro I (1939)
Ficção - Zonas (1931), Caminhos Magnéticos (conto,1938), O Barão (novela, 1942), Rio Turvo (conto,1945), Porta de Minerva (romance, 1947), Mar Santo (novela, 1952) e Bandeira Preta (conto, 1956)
Outras obras: Contos Tradicionais Portugueses e As Grandes Viagens Portuguesas
Extracto do conto:
“O Barão”
de Branquinho da Fonseca
“Não gosto de viajar. Mas sou inspector das escolas de instrução primária e tenho a obrigação de correr constantemente todo o País. Ando no caminho da bela aventura, da sensação nova e feliz, como um cavaleiro andante. Na verdade lembro-me de alguns momentos agradáveis, de que tenho saudades, e espero ainda encontrar outros que me deixem novas saudades. É uma instabilidade de eterna juventude, com perspectivas e horizontes sempre novos. Mas não gosto de viajar. Talvez só por ser uma obrigação e as obrigações não darem prazer. Entusiasmo-me com a beleza das paisagens que valem como pessoas, e tive já uma grande curiosidade pelos tipos rácicos, pelos costumes, e pela diferença de mentalidade do povo de região para região.
Num país tão pequeno, é estranhável tal diversidade. Porém não sou etnógrafo, nem folclorista, nem estudioso de nenhum desses aspectos e logo me desinteresso. Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além das ajudas de custo. Como vivo sozinho, é suficiente para as minhas necessidades. Posso fazer algumas economias e, durante o mês de licença que o Ministério me dá todos os anos, poderia ir ao estrangeiro. Mas não vou. Não posso. Durante este mês quero estar quieto, parado, preciso de estar o mais parado possível. Acordar todas essas trinta manhãs no meu quarto! Ver durante trinta dias seguidos a mesma rua! Ir ao mesmo café, encontrar as mesmas pessoas!... Se soubessem como é bom! Como dá uma calma interior e como as ideias adquirem continuidade e nitidez! Para pensar bem é preciso estar quieto. Talvez depois também cansasse, mas a natureza exige certa monotonia. As árvores não podem mexer-se. E os animais só por necessidade fisíca. de alimento ou de clima, devem sair da sua região. Acerca disto tenho ideias claras e uma experiência definitiva. É até, talvez, a única coisa sobre que tenho ideias firmes e uma experiência suficiente. Mas não vou filosofar; vou contar a minha viagem à serra do Barroso.
Ia fazer uma sindicância à escola primária de V... Foi no Inverno, em Novembro, e tinha chovido muito, o que dera aos montes o ar desulado e triste dessas ocasiões.
As pedras lavadas e soltas pelos caminhos, as barreiras desmoronadas, algumas árvores com os ramos torcidos e secos. Fui de comboio até à cidade mais próxima, onde depois tomei uma camioneta de carreira que me deixou, já de noite, numa aldeia cujo nome não me lembra. Disseram-me que havia uma hospedeira ao fundo da rua. Era uma velha casa em ruínas. Entrei e fui ter à cozinha, uma divisão comprida e escura, ao fundo da qual estava uma fogueira acesa. Ao pé da fogueira, uma velha sentada. Não me sentia à vontade. Estava embaraçado, sem saber o que devia fazer, quando chegou uma senhora a procurar por mim. Era a professora, que, sabendo da minha chegada, vinha esperar-me (...)
Poesia
Lago
Com duas tábuas fiz
o barco onde navego
e onde sou tão feliz
que nunca chego...
Vou sonhando e cantando,
tão alto, que não sei se o mar e o céu vão bons
ou se vão mal...
Só quero ir sempre andando
e reparando
nas diferenças
da paisagem sempre igual...
in Mar Coalhado, Branquinho da Fonseca
Sonho da Rosa
Se me recordas entristeço e faço
porque o teu vulto sensual me esqueça
e o teu olhar, a tua boca, e essa
graça de graça que tu pões no passo.
Sonho-fumo esgarçando-se no espaço-
nas mãos em concha amparo-te a cabeça,
e sem que a minha boca desfaleça
beijo-te a boca e cinge-te o meu braço.
Já, no jardim deserto da tristeza,
vens aos meus olhos como a luz acesa
que uma penumbra dolorida apaga...
Vai-se extinguindo o meu desejo... Olha:
tu foste a rosa que ao abrir se esfolha,
nuvem perdida que no céu divaga...
in Poemas, Branquinho da Fonseca